segunda-feira, 1 de março de 2010

Sentença "Níveis" TRT 7ª Região - Ceará - Uma lição.

Desde que comecei nas lides forenses sempres tentei usar meus conhecimentos para alcançar o lado social do Direito, lendo a  sentença abaixo penso que nem tudo está perdido, parabéns ao Nobre Magistrado, pela coragem e por ter dito tudo aquilo que milhares de aposentados queriam dizer.

Leiam com atenção a parte em negrito.

Marcelo da Silva
Advogado AMBEP

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO
11ª VARA DO TRABALHO DE FORTALEZA-CE
Proc. nº 1450-2009-011-07-00-1
RECLAMANTE: AFONSO BESSA BRAZ E OUTRO
RECLAMADA: PETRÓLEO BRASILEIRO S/A –
PETROBRÁS e FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL - PETROS

S E N T E N Ç A

VISTOS, ETC.

AFONSO BESSA BRAZ E RAIMUNDO MATOS SOUSA, qualificados nos autos, reclamam em face de PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS e FUNDAÇÃO PETROBRÁS DE SEGURIDADE SOCIAL - PETROS, pleiteando o reajuste de seus benefícios em percentuais correspondentes àqueles deferidos ao pessoal da ativa, com o pagamento das diferenças daí decorrentes, até a efetiva inclusão em folha. Argumentam que são empregados inativos da primeira acionada e auferem complemento de aposentadoria pago pela segunda ré, para quem contribuíram durante a vigência do contrato laboral, com a finalidade de ter garantido o recebimento de provento complementar que lhe assegurasse a mesma remuneração paga em atividade. Ponderam, no entanto, que através do Acordo Coletivo 2004 a 2007, a primeira acionada concedeu progressões de níveis ao pessoal da ativa, inclusive aos que estão no topo da carreira, de modo a mascarar um aumento salarial e inviabilizar seu repasse para os inativos, contrariando, assim, o Regulamento do Plano de Benefícios que garante o reajuste do salário básico utilizado pela 2ª. Ré para calcular o valor do benefício dos inativos no mesmo percentual aplicado à tabela salarial da 1ª. Ré; apontam de direito e decisões em que se apoiam. Junta os documentos de fls. 20/128.

Em contestação, apresentada após infrutífera tentativa de conciliação, a primeira reclamada argúi, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho e sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, sustentando, em síntese, que a matéria não tem correlação com o vínculo empregatício, sendo de natureza civil, e que a PETROBRÁS nunca pagou ou assumiu a obrigação de pagar suplementação de aposentadoria a seus empregados, inexistindo qualquer solidariedade entre ela e a segunda acionada. Requer, ainda, a decretação da prescrição bienal do direito de ação.

No mérito propriamente dito, iniciando afirmando a inexistência de ilegalidade no acordo; que tal pedido encontra óbice no art. 202, da CF; que a sistemática atende à Cláusula 41; sustenta a improcedência do pedido, afirmando que a cláusula do Acordo Coletivo 2004/2005 que concede um nível salarial ao pessoal da ativa não implicou em alteração no valor dos salários atribuídos a cada nível, nem importou em reajuste salarial, mas em mera evolução funcional pessoal. Pondera, ademais, que não existe qualquer vinculação ou determinação de equivalência dos benefícios previdenciários suplementares com a tabela salarial da Petrobrás, tanto que o regimento próprio prevê acréscimos independentes. Diz que o reajuste salarial foi incorporado pela Petros aos benefícios de todos os aposentados e pensionistas, sendo ilegal a inclusão de qualquer outra verba; que tudo foi feito por norma coletiva que há de ser respeitada, por sua constitucionalidade; pede a compensação de qualquer valor pago. Por fim, impugna a verba honorária e acosta os documentos de fls.163/181.

A segunda promovida defende-se às fls. 182/214, repetindo os mesmos argumentos da primeira e colacionando os papéis de fls.215/281.

Manifestação sobre defesa e os documentos, fls. 284.

Tratando-se a questão de matéria exclusivamente de direito e de prova documental, foram dispensadas as provas orais e depoimentos pessoais, dando-se por finda a instrução processual.

Razões finais remissivas.

É o relatório.

RAZÕES DE DECIDIR

DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Suscitam os reclamados a incompetência da Justiça do Trabalho para dirimir a questão, sob o argumento da inexistência de relação de emprego entre as partes, bem como da natureza cível da matéria controversa.

Não lhes assiste razão, porém.

De fato, não há e nunca houve relação de emprego entre a PETROS e os autores, que também estão desligados dos quadros da PETROBRÁS, por força de aposentadoria. Entretanto, o texto constitucional claramente, no art. 114, atribui à Justiça do Trabalho competência para conciliar e julgar as controvérsias decorrentes da relação de emprego.

No caso em tela, a segunda reclamada foi constituída e é patrocinada pela PETROBRÁS, ex-empregadora dos promoventes, tendo por objetivo complementar a aposentadoria de seus filiados. A promovida atende apenas aos funcionários da primeira, destacando-se como entidade fechada de previdência privada, só constituída em face do interesse dos empregados e empregador em prover, de forma satisfatória, a assistência destes últimos mesmo após a aposentadoria. Inarredavelmente, o vínculo entre a demandada (PETROS) e os acionantes decorre da relação de emprego pretérita, pois, de outro modo, não poderiam ter ingressado, como participantes, na entidade, à época de sua constituição.

Logo, a controvérsia em exame, que tem por cerne o pedido de correta COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA, decorre da relação de emprego e enquadra-se dentre as matérias abrangidas pela competência especializada atribuída à Justiça do Trabalho.

Rejeita-se a preliminar.

DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA SUSCITADA PELOS RÉUS

PETROS e PETROBRÁS – esta última constituinte daquela (art. 1º. Do ESTATUTO DA PETROS ) - integram, inquestionavelmente, o mesmo grupo econômico e, portanto, nos termos do art. 2º, parág. 2º., da CLT, podem ser demandadas conjuntamente, já que a solidariedade entre ambas tem assento legal, sendo de nenhum valor disposição diversa deitada nos estatutos da primeira.

A legitimidade da PETROS também é indiscutível posto que deverá sofrer os efeitos de eventual condenação, sendo inoportuno aferir em preliminar, se está ou não obrigada a repassar aos seus filiados benefícios/reajustes concedidos pela PETROBRÁS ao pessoal da ativa.

PRESCRIÇÃO

Na situação em tela, a alegada ofensa ao direito dos reclamantes ocorreu no momento da assinatura do Acordo Coletivo 2004/2005, em nov/04. Nasceu aí, portanto, o direito de ação e é esse também o marco inicial da contagem do prazo prescricional, qüinqüenal e parcial, já que se tratam de prestações continuadas, na vigência da relação de índole previdenciária.

Não houve, portanto, prescrição do direito de ação.

DO PEDIDO

DAS QUESTÕES DE PREÂMBULO

Custa muito caro ouvir o silêncio dos inocentes. Enxergar paradoxos. Perceber missões definidas no sentido de desestabelecer instituições consagradas.

Sentir a entronização sorrateira de mecanismos para viabilizar a ruptura sutil de conquistas econômicas, na espécie, da “categoria” dos aposentados. Ver, na perspectiva fisiológica do olho, todos vêem. Compreender é preciso, entretanto!

O desafio de largada que, na questão dos autos, impõe-se é divisar o que significa, em termos de previdência privada, a suplementação ou complementação da aposentadoria. A quebra de paridade remuneratória entre ativos e inativos, quando da aposentação, mobiliza a vontade dos trabalhadores, muitas vezes sem até querer, na construção de sistema de proteção para quando, do implemento daquela, gozar igual padrão remuneratório da ativa ou similar. A lógica do sistema atende a este desiderato.

Não raro, todavia, burlas são maquinadas para que esta frente institucional seja afastada e a proteção amesquinhada. O caso dos autos é típico.

Parece, a este Juízo, que o campo de ação é uniforme entre empregadores, instituição de previdência e o pior, entidade sindical dos empregados. Há uma sincronia de práticas, evidenciando o desprezo pela norma que alcançaria o objetivo de manter isonômico o mesmo padrão vencimental. É dizer, lança-se à vala o pedestal do sistema que garantia iguais condições ou similares com o pessoal da ativa.

Este Juízo já enfrentou lide igual, decidindo o que se transcreve, em caráter inaugural. Leiamos trecho de sentença do Proc. 866/06, 6ª Vara do Trabalho de Fortaleza: “Lá no meu sertão, lá no interior do mato, na caatinga do roçado(em plágio, de logo pedindo licença a quem de direito) ninguém quase come, ninguém quase tem amigos, nos confins do Ceará, Independência, a atitude da reclamada e confederação é chamada de “que marmota é esta?”.

Quem tem uma confederação ao nível desta não tem amigo!

Maravilhados! Como enganar a todos(porque quem está na ativa, conivente, um dia passará para o outro lado) e prejudicar “os gatos mortos”?

Aposentados e pensionistas são entraves para tudo. Para o Brasil emergente, para o Brasil delinqüente!

Que marmota é esta mesmo? Como explicar, de modo convincente, que a criação de um benefício, cuja finalidade é a mesma de outro já existente, não visa desvirtuar a Lei; fraudá-la ou no mínimo desqualificar o instituto ancião? Se crime perfeito deixa suspeito, imagine o imperfeito...

A grosseria na criação da nova modalidade de benefício é de principiante! Mil perdões...Menos o da dureza da Lei, em sua magistral interpretação! “

Num português bastante vulgar, diga-se “o que rolar, rolou”. Se a prenda prega e, com análise desumanizada, sempre prega, ótimo para a reclamada ex-empregadora, melhor para a instituição de seguridade privada.

DO MÉRITO PROPRIAMENTE DITO.

Os autores querem que seja estendido aos seus benefícios complementares de aposentadoria reajuste salarial pago pela PETROBRÁS ao pessoal da ativa, sob a forma de concessão de níveis, conforme previsão em acordos coletivos.

PETROS e PETROBRÁS alegam que esse benefício não importou em reajuste do valor básico atribuído a cada nível da carreira.

De fato.

No entanto, essa cláusula específica dos ACTs de 2004/2005; 2005/2006;2006/2007 assegura, inquestionavelmente, uma melhoria salarial ao pessoal da ativa, em substancial ordem, que não foi incorporado pela PETROS em favor dos aposentados - obviamente sob o argumento canhestro acima declinado - ao contrário do reajuste geral da Tabela Salarial, confessadamente repassado aos aposentados.

Ora, é tão evidente a intenção de outorgar vantagem salarial com a concessão de nível e não mera “evolução funcional pessoal” que o benefício atingiu até quem já estava na última faixa da carreira, com a criação de mais um nível salarial.

O prejuízo para os inativos é notório, já que, com manobras dessa natureza, sofrem e poderão vir a sofrer sucessivas perdas salariais, acarretando violação ostensiva ao Regulamento do Plano de Benefício que, em seu art. 41, prevê o reajustamento das suplementações de aposentadoria na mesma época em que forem feitos os reajustamentos salariais da Patrocinadora, cujo Fator de Correção é apurado com inclusão do salário-de-participação valorizado pelas tabelas salariais da Patrocinadora (SP), em outras palavras, com o aumento salarial da categoria.

É tão clara a regra de reajuste do benefício complementar pelos índices concedidos ao pessoal da ativa que o § 3º. do mesmo dispositivo reza: “art. 41 – § 3º. - Na hipótese de dissolução da patrocinadora, os salários-de-participação referidos neste artigo e no inciso III do artigo 13, serão atualizados de acordo com os índices da variação coletiva dos salários da categoria profissional a que pertenciam os respectivos mantenedores-beneficiários, na forma do ato regulamentar.”

Não é preciso mais nenhum argumento para desabonar a enganosa tese das defesas, no sentido de que o reajuste concedido ao pessoal da ativa não obriga ao reajuste de suplementações de aposentadoria. Tanto obriga que a PETROS tratou de corrigir os benefícios com os índices de majoração da TABELA SALARIAL, mas desprezou propositadamente o reajuste oculto pela concessão de nível e abono.

Frise-se que a previsão de novas correções por ocasião do reajustamento geral das aposentadorias do INSS, convive harmonicamente com o preceito acima comentado, sendo regra que só beneficia a PETROS, pois é a hora de reduzir sua participação na suplementação da aposentadoria.

Também não é possível se arvorar no fato da negociação coletiva para validar interpretação ofensiva ao interesse dos aposentados. Pois se é certo que o sindicato profissional participou ativamente da negociação, o fez em defesa dos interesses do pessoal da ativa, beneficiário direto dos ACTs, sem representar ali nenhum aposentado, até porque não teria legitimidade, perante a PETROBRAS, para falar em defesa dos jubilados, quando o assunto era pertinente aos ativos e apenas reflexamente atingiria aqueles.

Além disso, não se está aqui invalidando qualquer cláusula dos ACTs, mas apenas estabelecendo sua correta interpretação, para considerá-la fonte de reajuste salarial de modo a beneficiar, no mesmo percentual, os inativos em relação à suplementação de suas aposentadorias, o que não importa em violação de nenhum artigo constitucional, mormente daqueles citados pelas rés, nem em ofensa ao princípio da pacta sunt servanda.

Defiro, portanto, o pedido para condenar a PETROS a proceder ao reajustamento da suplementação de aposentadoria dos demandantes, nos moldes estabelecidos pelo art. 41 do RPB, considerando o reajuste salarial geral deferido ao pessoal da ativa em decorrência de concessão de dois níveis na carreira, observado o nível em que o reclamante se aposentou e o nível seguinte, bem como a pagar as diferenças vencidas e vincendas, daí decorrentes, até a efetiva implantação da correção em folha de pagamento.

A PETROBRÁS é responsável solidária pelo cumprimento da presente condenação. Não há parcelas a compensar e a dedução possível é apenas quanto a eventuais contribuições devidas pelos mantenedores-beneficiários à PETROS, além dos encargos previdenciários e fiscais.

DA JUSTIÇA GRATUITA.

Sugerida a condição de miserável, esta fato por si basta para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. Defere-se, pois.

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Devidos honorários advocatícios com base na sucumbência, art.20, do CPC, e indispensabilidade do advogado na administração da Justiça, art. 133, da CF, na cifra de 15% sobre o valor da condenação.

EX POSITIS, julgo PROCEDENTES as pretensões deduzidas na inicial, a fim de condenar a demandada PETROS a repassar todos os percentuais representados pelos níveis criados pela empresa, nos acordos de 2004 a 2007, procedente as suplementações de aposentadorias dos demandantes, nos moldes estabelecidos pelo art. 41 do RPB, considerando o reajuste salarial geral deferido ao pessoal da ativa em decorrência de concessão de níveis na carreira, observado o nível em que o reclamante se aposentou e o nível seguinte, bem como a pagar, com juros e correção monetária, as diferenças vencidas e vincendas, daí decorrentes, até a efetiva implantação da correção em folha de pagamento, ficando a PETROBRÁS, solidariamente, responsável pelo cumprimento desta decisão. Os valores devidos serão apurados em liquidação de sentença, de acordo com as previsões estatutárias aplicáveis. As reclamadas, na oportunidade própria, deverão observar os recolhimentos fiscais e previdenciários, onde couberem.

Custas, pelas promovidas, no importe de R$500,00, calculadas sobre R$ 25.000,00, arbitrados, para este efeito e de depósito recursal.

Notifiquem-se.

Fortaleza, 29 de outubro de 2009.

ANTONIO GONÇALVES PEREIRA

JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO

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